Por Valdecir Pascoal
Parece que foi ontem. Transcorria o Natal de 2011. O amigo-conselheiro João Henrique Carneiro Campos havia tomado posse no TCE com as últimas águas de março daquele ano. Esse entrementes que une o Natal ao Ano Novo é sempre especial, pois dele afloram as emoções e os sentimentos de fraternidade. Mensagens de esperança e paz chegam a todo momento. Naquele 23 de dezembro, recebi de outro amigo uma mensagem que me marcou profundamente: “Desejo de Natal!”, de Renato Carneiro Campos, pai de João. Eis a sabedoria: “Desejo um Natal que solte os que precisam urgentemente se juntar e liberte os prisioneiros desesperados de si mesmos e dos outros. Um Natal necessário como a liberdade, doce como a saudade, alegre como o vinho. Natal sem grades, sem fome, sem forçadas renúncias, em que os fortes se sintam necessitados de amparo e os oprimidos se julguem também possuidores da terra. Um Natal mais de dividir do que somar e subtrair”.
Incontinenti, enviei aquela oração-humanidade para ele, acrescentando que gostaria muito de conhecer o legado daquele pernambucano tão marcante. Ele, na sua peculiar inquietude, telefonou-me de imediato, orgulhoso e externando enorme felicidade. Contrariando uma de suas características, João me falou pacientemente sobre o pai, falecido precocemente aos 47 anos, quando ele tinha apenas 8. Lembrou, entre outras coisas, dos seus textos e crônicas, como o “Cinza”, “Recife”, publicados na coluna “Sempre aos domingos”, neste Diário de PE e do livro “Tempo amarelo”, organizado pela Fundaj, que reuniu (post mortem) muitos dos seus ensaios sociológicos. Naquele dia, e em muitas outras ocasiões, percebi o sagrado significado da família para ele, incluída nela os bons e velhos amigos que ele cultivava com tanta “fraternura”.
Nestes oito anos de convivência no TCE, todos pudemos testemunhar a atuação de um Conselheiro com sólida formação ética e jurídica. Filho legítimo da “Casa de Tobias”, com vasta experiência na advocacia e como Desembargador do TRE, João era a voz da ponderação, da discrição, da busca por consensos. Na desafiadora arte de julgar a gestão pública, especialmente nestes tempos amargos de múltiplas crises, ele buscou sempre ser justo e coerente em seus votos, esbanjando diplomacia, elegância no trato e coragem. O cuidado com o rito processual, a proporcionalidade dos julgamentos, a segurança jurídica, a realidade desafiadora da gestão e as consequências da atuação do controle, todas essas importantes questões, cada vez mais atuais e hoje positivadas na Lei de Introdução às Normas do Direito, sempre fizeram parte das reflexões e dos bons combates travados por João Campos. Sentiremos muita falta do Conselheiro, do cidadão humanista, do humor requintado de um hexacampeão, mas também do amigo prestativo, sensível, cultuador da boa literatura, do cinema, da música e de todas as artes.
No último domingo, 23, noite de São João, ele iria celebrar os seus 50 anos. Consternado e ainda sem acreditar, buscando refúgio inspirador na memória da prosa que tivera com ele sobre a obra do seu pai, naquele Natal de 2011, escrevi nas redes sociais a seguinte mensagem, que resume tudo o que aqui foi recordado. Nestes “tempos amarelados” por tantos desencontros e despedidas, a saudade ainda incrédula do amigo-conselheiro João Campos. Vida que se repete na estação. Domingo “Cinza”. Balões a meio mastro. Menos fidalguia, menos consenso, menos arte, menos humor, menos sensibilidade. Parafraseando o seu saudoso pai, “precisaremos estar preparados para irmos mais longe do que qualquer esperança”. Resta-nos olhar pro Céu!
Valdecir Pascoal — Conselheiro do TCE-PE