Como os controles morrem

   * Valdecir Pascoal

Passados 30 anos da Constituição, é forçoso reconhecer os avanços da participação cidadã e da atuação das instituições de controle da gestão, a exemplo dos Tribunais de Contas, dos Ministérios Públicos, das Polícias, do Controle Interno e do Judiciário.

Nada obstante, ao tempo em que se deve celebrar os consequentes e notórios progressos no combate à corrupção e à ineficiência, há que se atentar para posturas retrógradas que podem, sim, vir a comprometer e ferir de morte essas fundamentais instituições republicanas. São posições que emanam de segmentos e agentes externos atingidos pelo bom combate travado por esses órgãos, mas também por integrantes do próprio sistema controlador.

Parafraseando os renomados professores de Harvard, Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, autores do oportuno livro em tom de alerta “Como as democracias morrem”, poder-se-ia indagar: como os controles morrem? Parênteses: essas mortes não acontecem mais como antes. No caso dos controles, não se defende tão abertamente, como no passado, a extinção pura e simples das instituições que realizam essa função. Os germes da sua erosão agora são mais sutis e difusos, ocorrendo por meio da mitigação dos atributos essenciais da boa accountability, a saber: prestação de contas, responsabilização, eficiência e transparência.

Alguns exemplos.

Os controles morrem quando surgem propostas legislativas que buscam surrupiar competências dos órgãos que os exercem, notadamente aquelas que se revelam mais efetivas no combate aos desmandos. A despeito de apresentadas sob o manto do aprimoramento, a rigor, e amiúde, consistem em efetivas mordaças. O mantra de que o controle deve “voltar à sua caixinha” sempre vem a reboque da assertiva de que o voto popular funcionaria como uma espécie de imunidade geral contra a responsabilização “tecnocrática” do controle, esquecendo que ele, o controle, também brota da vontade popular constitucional e é atributo essencial da democracia e da república.

Os controles morrem quando seus agentes sucumbem aos interesses político-partidários ou ideológicos. Ou quando, com ar de superioridade, furtam-se ao exercício da empatia, postura que possibilitaria compreender, sem ultrapassar a moldura da lei e da razoabilidade, contextos e dificuldades reais da gestão.

Os controles morrem quando se deixa de reconhecer os importantes avanços e as boas práticas que se implementaram em todo o país. Morrem, igualmente, quando não se faz uma autocrítica honesta dos seus problemas, exercitando ouvidos de mercador para a necessidade de melhorar o desempenho e discutir reformas constitucionais que fortaleçam, ainda mais, a sua atuação.

Os controles morrem quando as vaidades, pessoais e institucionais, se sobrepõem à necessária solidariedade e integração para uma atuação compartilhada, de modo a se consolidar uma vigorosa rede de proteção ao erário contra a ineficiência e a corrupção.

Os controles morrem quando há retrocessos na jurisprudência constitucional que baliza o alcance das competências dos controles.

Os controles morrem quando as democracias morrem.

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* É Conselheiro do TCE-PE, Professor de Direito Financeiro, Ex-Presidente da ATRICON e autor do livro “Uma nova primavera para os Tribunais de Contas” (Fórum, 2017).

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